Educação

Os heróis da infância

A fantasia é um domínio permitido às crianças e penso que seja parte importante do desenvolvimento criativo. Parte importante de minha própria infância foi preenchida por heróis de quadrinhos. Por que esses personagens fictícios fizeram e ainda fazem tanto sucesso? A característica mais notável desses personagens é a presença de super poderes. Mas faz algum tempo esse perfil tem mudado, de modo que os super heróis mais populares hoje têm super poderes menos fantásticos ou essencialmente nenhum. Nossas crianças de hoje estão mais familiarizadas com características mais humanas do que fantásticas. Embora ainda caricatos, a perícia, inteligência e senso de humor aliados ao uso de alta tecnologia de Bruce Wayne e Anthony Stark, por exemplo, fazem bastante sucesso enquanto a velha saga de super heróis fantasticamente dotados de poderes extra-naturais têm se mantido no esquecimento.

Embora a matéria pareça pouco interessante, tem um significado importante para o futuro de nossas crianças e, eu diria, para o futuro da ciência também. Não estamos habituados a ver nossos cientistas como heróis, afinal o que eles têm de super? não escalam montanhas, saltam abismos, salvam pessoas de prédios em chamas ou coisas do gênero. Contudo, convém recordar que aquelas ferramentas usadas pelos heróis de quadrinhos são essencialmente as mesmas que nossos cientistas usam em sua rotina. Não para solucionar problemas causados por um grande chefão do crime, mas para resolver uma doença ou um distúrbio ecológico, por exemplo. Dos livros e quadrinhos até os filmes, personagens como Sherlock Holmes ou Gregory House são protagonistas de estórias heroicas e, em comum, fazem uso do raciocínio dedutivo. Aquele empregado na ciência para resolver problemas. Se Holmes ou House não fizessem uso do raciocínio dedutivo (ou raciocínio científico) duvido que fossem tão populares.

Personagens como estes, essencialmente humanos (até nos defeitos), fazem inegavelmente mais sucesso que os fantásticos. Estes últimos logo ficam chatos. A mídia notou tal fenômeno e se aproveita dele para alcançar grandes bilheterias. Estamos vendo uma geração aprendendo a valorizar heróis do intelecto e não somente de ação. Quem sabe esteja próximo o tempo em que nossas crianças terão gibis contando as histórias de grandes descobertas ou grandes invenções. Se você acha que isso é um exagero, sugiro que dê uma boa olhada nos quadrinhos clássicos da série Watchmen, cujo sucesso tornara os quadrinhos tema para adultos. O público não está mais interessado em poderes misteriosos (sobrenaturais), cuja origem não se explica nem encontra lugar junto ao mundo natural como o Superman. O interesse voltou-se para as tramas de conspiração protagonizadas por personagens humanos ou com poderes que, com uma licença heroica, se justificam em leis físicas, passando assim a ser um mistério revelado e não algo sobrenatural.

Quando crianças não queremos ser médicos, advogados ou engenheiros. As crianças, especialmente os garotos, querem ser o Homem de Ferro ou o Batman. Quando crescem e percebem que as estórias não se encaixam no mundo real mudam as perspectivas. E se passássemos a mostrar outro perfil de herói, um perfil mais próximo à realidade, tal como Holmes ou House? Suspeito que nossa ciência ganharia muito mais admiradores e um público ainda mais familiarizado com o procedimento científico.

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Este texto de Alison Chaves é licenciado sob uma Licença Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivados 3.0 Não Adaptada.

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